Da beleza das mulheres
No ano de 1957, duas meninas de 17 e 18 anos vestem-se para um baile. Creio que é o primeiro baile da mais nova e do vestido da mais velha não reza a minha história. Do da mais nova, sim, de cetim pesado, cinzento azulado, coberto de organza da mesma côr, pintado à mão, umas flores coloridas: nada de brancos, uma saia rodada, um corpete de alças, é como me lembro de o ver.
Das fotografias da altura, nota-se que as duas, irmãs, são extraordinariamente bonitas. Meninas-senhoras, já, como é nessa época, aos 18 anos é-se senhora, pronta para namorar, noivar e casar. E vestir vestidos de baile, enquanto se admiram frente a um espelho de corpo inteiro, sob um olhar materno, imagino eu que terá sido assim.
A este olhar materno junta-se outro, o da melhor amiga, acabada de entrar, encontrando-se com as duas irmãs antes da festa. Vestida também para o baile, admirando vestidos, rostos e cabelos, esta outra mulher-menina de encanto apenas a frescura dos mesmos 18 anos, nada mais, uma criatura feia mascarada de bela para um baile. Compara-se às outras e, desatando a chorar, um pranto que atravessa todos estes anos que passaram desde então, a frase que (nos) persegue a todas: as duas estão tão bonitas! E eu sou tão feia!
Creio que a convenceram a custo a ir com elas, com mimos e consolos de não és nada feia, digo eu, mas não sei. O mundo, sei eu, esse tão cruel com as mulheres feias e sem graça, não se convenceu: nunca essoutra namorou (ou talvez sim, mas em nada deu) nunca casou, ficou para sempre só, a solteirona dedicada aos pais e aos filhos e filhas dos outros. Com o tempo e o nosso tempo, aquele mais perto do final do século XX, curiosamente, tornou-se uma mulher, que não sendo bonita, era muitíssimo interessante: inteligente, boa figura, com graça e garra e gargalhadas rápidas e imensas: uma tia adorada que teria merecido melhor. Não sei de quem a culpa, se dela, se do mundo que a colocou, nem que apenas dentro da sua cabeça, num lado onde germinavam apenas impossibilidades. Ou talvez não: talvez tenha amado, impossivelmente, nunca saberemos. Mas amada, sabemos, nunca foi.
As outras, as belas, felizes, seguiram os seus caminhos de namoros e noivados e casamentos e filhos e carreiras e outras coisas muito boas e também muito más, a felicidade não escolhe rostos e a desgraça não se destina apenas aos menos dotados fisicamente. Mas aos 18 anos assim parece: que o mundo é um espelho e o reflexo um inevitável destino.
Lembrei-me desta história por duas razões: a primeira, por estar aqui entre mulheres; a segunda, por saber que esta miséria, o da distribuição injusta e cega da beleza física, pairar ainda sobre nós, raparigas que deveríamos ter já aprendido que não é por aí. É talvez admissível aos 18 anos (ou em 1957). Mas não agora, não hoje. É (passe o lugar comum) o que se tem dentro. E o que se tem dentro é o que, aqui em letras, passa para fora. É por isso que a forma escrita é tão intensa. E é também por isso que me rodeio de amigas: há dias em que os espelhos são cruéis e apenas as outras - as belas aos nossos olhos - nos podem consolar.
Das fotografias da altura, nota-se que as duas, irmãs, são extraordinariamente bonitas. Meninas-senhoras, já, como é nessa época, aos 18 anos é-se senhora, pronta para namorar, noivar e casar. E vestir vestidos de baile, enquanto se admiram frente a um espelho de corpo inteiro, sob um olhar materno, imagino eu que terá sido assim.
A este olhar materno junta-se outro, o da melhor amiga, acabada de entrar, encontrando-se com as duas irmãs antes da festa. Vestida também para o baile, admirando vestidos, rostos e cabelos, esta outra mulher-menina de encanto apenas a frescura dos mesmos 18 anos, nada mais, uma criatura feia mascarada de bela para um baile. Compara-se às outras e, desatando a chorar, um pranto que atravessa todos estes anos que passaram desde então, a frase que (nos) persegue a todas: as duas estão tão bonitas! E eu sou tão feia!
Creio que a convenceram a custo a ir com elas, com mimos e consolos de não és nada feia, digo eu, mas não sei. O mundo, sei eu, esse tão cruel com as mulheres feias e sem graça, não se convenceu: nunca essoutra namorou (ou talvez sim, mas em nada deu) nunca casou, ficou para sempre só, a solteirona dedicada aos pais e aos filhos e filhas dos outros. Com o tempo e o nosso tempo, aquele mais perto do final do século XX, curiosamente, tornou-se uma mulher, que não sendo bonita, era muitíssimo interessante: inteligente, boa figura, com graça e garra e gargalhadas rápidas e imensas: uma tia adorada que teria merecido melhor. Não sei de quem a culpa, se dela, se do mundo que a colocou, nem que apenas dentro da sua cabeça, num lado onde germinavam apenas impossibilidades. Ou talvez não: talvez tenha amado, impossivelmente, nunca saberemos. Mas amada, sabemos, nunca foi.
As outras, as belas, felizes, seguiram os seus caminhos de namoros e noivados e casamentos e filhos e carreiras e outras coisas muito boas e também muito más, a felicidade não escolhe rostos e a desgraça não se destina apenas aos menos dotados fisicamente. Mas aos 18 anos assim parece: que o mundo é um espelho e o reflexo um inevitável destino.
Lembrei-me desta história por duas razões: a primeira, por estar aqui entre mulheres; a segunda, por saber que esta miséria, o da distribuição injusta e cega da beleza física, pairar ainda sobre nós, raparigas que deveríamos ter já aprendido que não é por aí. É talvez admissível aos 18 anos (ou em 1957). Mas não agora, não hoje. É (passe o lugar comum) o que se tem dentro. E o que se tem dentro é o que, aqui em letras, passa para fora. É por isso que a forma escrita é tão intensa. E é também por isso que me rodeio de amigas: há dias em que os espelhos são cruéis e apenas as outras - as belas aos nossos olhos - nos podem consolar.
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