...volta
Corria desesperado com o comando na mão, na tentativa de encontrar um ponto assinalado naquele mapa cheio de luzes e riscos verdes, que se cruzavam sem compreender as referências. O sol, aquela bola gigante de calor que pairava sobre si, confundia-o, sentia pela primeira vez o corpo molhado em comichão, colado às roupas que nunca tinha estranhado até então.
Devia ser do ar, pensou, ficando satisfeito por lhe sobrar alguma lucidez. Como era leve aquela respiração, como mantinha o coração acelerado, um cansaço que custava a digerir.
Olhou para o lado e viu alguns dos companheiros caídos naquele chão de pó, quase laranja, uma cor que só tinha visto naquelas estranhas criaturas, ainda pregadas na sua mente quente. Sabia que não os podia socorrer, a sua missão era chegar até ao topo da outra montanha, fintar o inimigo e colocar as armas no ponto 34c22b. Era crucial que fosse bem sucedido.
O barulho era ensurdecedor, explodiam bocados de rocha dura sobre a sua cabeça, os gritos vinham até si como ondas monstruosas e, só tinha vontade de se fechar sobre o seu corpo, enrolar-se naquele chão laranja e ficar quieto até que tudo parasse. Estava demasiado pesado, demasiado quente, demasiado desorientado, o corpo seguia numa direcção precisa e o comando pendia-lhe ao longo da cintura, batendo-lhe ligeiramente nas coxas, dizendo-lhe que o fim estava longe.
De repente, viu o seu companheiro de quarto, de muito anos passar por si. Não sabia que podiam atingir velocidades como aquela, corria tanto que o perdeu de vista. A sua tentação foi olhar para trás, saber porque tal acontecia, já que era suposto que este fizesse um caminho contrário ao seu. Mas parar era atrasar e, isso não podia fazê-lo, fora treinado para seguir em frente, nunca olhar para trás.
Continuou a percorrer o chão, no sentido certo, a subida era pior que tudo o resto mas, o corpo parecia ter sido alimentado para aquela aventura. Passou por uma coisa que supôs ser uma árvore, era verde, tinha centenas de bocados soltos no fim de paus muito direitos. Dançava, sem se mexer do mesmo sítio, dançava como se celebrasse uma vitória, que não seria de nenhuma das partes mas, dela, ela pertencia ali, àquele mundo pelo qual lutava, sem ter tempo sequer de o ver.
Muitas vezes tinha pensado para si, porque lutariam eles por algo perfeitamente desconhecido, porque não se ficariam pelo que tinham. Já não eram tão altos como os antigos, não tão escuros como via nas pinturas da sala de treinos, não tão felizes como lhe tinham dito que deviam ser. Havia água, havia comida e, reconhecia sorrisos nas faces de quem tenha conhecido. Qual seria a medida certa para a felicidade.
O comando estremeceu na sua perna. De imediato olhou para as coordenadas e surpreendeu-se com o ponto onde se encontrava. Será que um dia, ali no mundo de fora, passava mais depressa do que no seu mundo? Que espécie de tempo era este, em que o cansaço se desvanecia à medida que se esforçava?
Apressadamente, desceu a mochila das costas, abriu-a com destreza e colocou a arma no ponto 34c22b. Agora, teria apenas de escavar um pouco aquele chão e enterrá-la de forma a que pudesse ficar completamente estável. Procurou, sem efeito, a sua faca, aquela que lhe tinha sido entregue com alguma solenidade, pois pertencera ao seu pai.
Enquanto revolvia o interior da mochila, os estrondos aproximavam-se cada vez mais, os gritos eram cada vez mais profundos, como se o seu corpo partilhasse da dor dos seus companheiros. Pensou que na ida, poderia apanhar ainda um ou dois, levá-los a casa. Sem, conseguir encontrar a faca para cavar, tirou as grossas luvas e deitou as mãos ao chão.
A terra era tão suave, escorregava-lhe entre os dedos, deixando-os da mesma cor. Levou a mão ao nariz com um pedaço de terra, sentiu o cheiro da água seca, um cheiro que lhe lembrava os momentos de criança quando brincava na sala maior, depois das refeições, quando se fingia de morto para o seu companheiro de quarto, quando brincavam às guerras e aos gemidos, demasiado baixos para o que se tornara real.
Sem tempo a perder, encaixou a arma no buraco que tinha aberto, tapou-a um pouco para testar a sua firmeza e ligou o botão. Pelo seu tempo teria uns bons quinze minutos para se afastar dali, para conseguir sobreviver ao embate da explosão que supostamente arrasaria o mundo do adversário. Mas aquele tempo, era um tempo rápido demais, porque não lho tinham dito antes?
Apressou-se a guardar todos os artefactos dentro da sua mochila, activou de novo o comando que ainda bailava na sua cintura e, apanhou um punhado de terra, de pó laranja macio, que guardou dentro do bolso das calças.
A descida parecia-lhe vertiginosa. Olhou finalmente para trás, agora à sua frente; o rasto de destruição era imenso. Conseguia ver os corpos parados, os olhos abertos dos companheiros em direcção ao sol, cegos, sem movimento algum.
Os seus pés adquiriam uma velocidade estrondosa, não tinha tempo para pensar nos movimentos, sentia o peito a bater-lhe no fundo da boca, a cabeça girava mais que nunca e o comando assinalava a quase explosão da sua arma. Ao fundo da descida viu novamente a árvore, que continuava serena a dançar sobre si mesma, incólume, tinha a certeza, ela sim, iria sobreviver a tudo isto, tal como o céu azul claro, como o sol quente, como o chão laranja que pisava.
Foi varrido por uma chuva de pedregulhos e um vento forte atirou-o para chão. O barulho vinha de dentro do mundo. Meteu as mãos à cabeça e enfiou a cara na cor laranja. Pelo canto do olho viu a cor do seu corpo salpicada por bolinhas vermelhas. Custava-lhe a respiração, o pó do mundo de fora entrava em si, misturava-se com aquilo que lhe corria dentro. Dos seus olhos caía agora um líquido incolor que lhe ardia, tinha a certeza que era a bebedeira que lhe tinham descrito anteriormente, pois não se conseguia equilibrar, não se conseguia concentrar numa coisa de cada vez.
Respirou lento, pesado, tentou lembrar-se de todas as advertências que lhe tinham sido feitas antes de partirem. Colocou-se de pé a custo, activou de novo o comando e seguiu em frente.
Deu consigo diante da imensa porta que se abria para si, sem saber quanto tempo tinha demorado a chegar, quantos deles teriam voltado, como teria corrido a missão.
Duas mãos sustentavam-no pelos braços e sentiu de novo o cheiro húmido das paredes que o rodeavam, o frio que se entranhava dentro da pele e que a fazia estranhamente rígida em comparação ao mundo de fora. Deitaram-no numa cama feita de gazes; sentia-a tão macia como a terra que trazia no bolso das calças.
Olhou em volta e viu muitos dos seus companheiros, envolvidos em gazes vermelhas e laranjas, sentados no chão em silêncio. Encontrou aquele que mais procurava, que lhe devolvia um sorriso largo ao seu olhar. Um simples gesto com a mão foi o suficiente para se acalmar novamente.
Ficou suspenso entre o olhar e a memória, aquele tecto não tinha fim, o inimigo não tinha conseguido atingir os seus objectivos. Havia um vazio no seu corpo de tão cheio que estava. Era um homem agora e a sorte estava-lhe reservada, teria tempo, não precisava de se ajustar de imediato. Respirou com regularidade, olhou as mãos ainda laranjas e deitou a mão ao bolso. Um pedaço do mundo exterior ficava consigo.
Na manhã seguinte acordou alagado por um cheiro doce. Abriu os olhos e viu à sua frente umas mangas de vestido tingido, que se movimentavam de forma graciosa. Levantou o braço e afastou-as da sua cara, por detrás daquela cor, encontrou novamente aqueles olhos negros, os lábios carnudos sorriram-lhe, deixando antever os dentes alvos. Era certo que era para si.
Meteu a mão ao bolso onde guardava o chão laranja do mundo de fora, e com a ponta de dois dedos retirou um pouco do macio pó. Procurou a mão dela com a sua e, deixou-o cair sobre a palma estendida. Aquela estranha criatura, tão igual a si, fechou a mão depois de muito o olhar. Sentou-se a seu lado e deixou-se ficar quieta.
Devia ser do ar, pensou, ficando satisfeito por lhe sobrar alguma lucidez. Como era leve aquela respiração, como mantinha o coração acelerado, um cansaço que custava a digerir.
Olhou para o lado e viu alguns dos companheiros caídos naquele chão de pó, quase laranja, uma cor que só tinha visto naquelas estranhas criaturas, ainda pregadas na sua mente quente. Sabia que não os podia socorrer, a sua missão era chegar até ao topo da outra montanha, fintar o inimigo e colocar as armas no ponto 34c22b. Era crucial que fosse bem sucedido.
O barulho era ensurdecedor, explodiam bocados de rocha dura sobre a sua cabeça, os gritos vinham até si como ondas monstruosas e, só tinha vontade de se fechar sobre o seu corpo, enrolar-se naquele chão laranja e ficar quieto até que tudo parasse. Estava demasiado pesado, demasiado quente, demasiado desorientado, o corpo seguia numa direcção precisa e o comando pendia-lhe ao longo da cintura, batendo-lhe ligeiramente nas coxas, dizendo-lhe que o fim estava longe.
De repente, viu o seu companheiro de quarto, de muito anos passar por si. Não sabia que podiam atingir velocidades como aquela, corria tanto que o perdeu de vista. A sua tentação foi olhar para trás, saber porque tal acontecia, já que era suposto que este fizesse um caminho contrário ao seu. Mas parar era atrasar e, isso não podia fazê-lo, fora treinado para seguir em frente, nunca olhar para trás.
Continuou a percorrer o chão, no sentido certo, a subida era pior que tudo o resto mas, o corpo parecia ter sido alimentado para aquela aventura. Passou por uma coisa que supôs ser uma árvore, era verde, tinha centenas de bocados soltos no fim de paus muito direitos. Dançava, sem se mexer do mesmo sítio, dançava como se celebrasse uma vitória, que não seria de nenhuma das partes mas, dela, ela pertencia ali, àquele mundo pelo qual lutava, sem ter tempo sequer de o ver.
Muitas vezes tinha pensado para si, porque lutariam eles por algo perfeitamente desconhecido, porque não se ficariam pelo que tinham. Já não eram tão altos como os antigos, não tão escuros como via nas pinturas da sala de treinos, não tão felizes como lhe tinham dito que deviam ser. Havia água, havia comida e, reconhecia sorrisos nas faces de quem tenha conhecido. Qual seria a medida certa para a felicidade.
O comando estremeceu na sua perna. De imediato olhou para as coordenadas e surpreendeu-se com o ponto onde se encontrava. Será que um dia, ali no mundo de fora, passava mais depressa do que no seu mundo? Que espécie de tempo era este, em que o cansaço se desvanecia à medida que se esforçava?
Apressadamente, desceu a mochila das costas, abriu-a com destreza e colocou a arma no ponto 34c22b. Agora, teria apenas de escavar um pouco aquele chão e enterrá-la de forma a que pudesse ficar completamente estável. Procurou, sem efeito, a sua faca, aquela que lhe tinha sido entregue com alguma solenidade, pois pertencera ao seu pai.
Enquanto revolvia o interior da mochila, os estrondos aproximavam-se cada vez mais, os gritos eram cada vez mais profundos, como se o seu corpo partilhasse da dor dos seus companheiros. Pensou que na ida, poderia apanhar ainda um ou dois, levá-los a casa. Sem, conseguir encontrar a faca para cavar, tirou as grossas luvas e deitou as mãos ao chão.
A terra era tão suave, escorregava-lhe entre os dedos, deixando-os da mesma cor. Levou a mão ao nariz com um pedaço de terra, sentiu o cheiro da água seca, um cheiro que lhe lembrava os momentos de criança quando brincava na sala maior, depois das refeições, quando se fingia de morto para o seu companheiro de quarto, quando brincavam às guerras e aos gemidos, demasiado baixos para o que se tornara real.
Sem tempo a perder, encaixou a arma no buraco que tinha aberto, tapou-a um pouco para testar a sua firmeza e ligou o botão. Pelo seu tempo teria uns bons quinze minutos para se afastar dali, para conseguir sobreviver ao embate da explosão que supostamente arrasaria o mundo do adversário. Mas aquele tempo, era um tempo rápido demais, porque não lho tinham dito antes?
Apressou-se a guardar todos os artefactos dentro da sua mochila, activou de novo o comando que ainda bailava na sua cintura e, apanhou um punhado de terra, de pó laranja macio, que guardou dentro do bolso das calças.
A descida parecia-lhe vertiginosa. Olhou finalmente para trás, agora à sua frente; o rasto de destruição era imenso. Conseguia ver os corpos parados, os olhos abertos dos companheiros em direcção ao sol, cegos, sem movimento algum.
Os seus pés adquiriam uma velocidade estrondosa, não tinha tempo para pensar nos movimentos, sentia o peito a bater-lhe no fundo da boca, a cabeça girava mais que nunca e o comando assinalava a quase explosão da sua arma. Ao fundo da descida viu novamente a árvore, que continuava serena a dançar sobre si mesma, incólume, tinha a certeza, ela sim, iria sobreviver a tudo isto, tal como o céu azul claro, como o sol quente, como o chão laranja que pisava.
Foi varrido por uma chuva de pedregulhos e um vento forte atirou-o para chão. O barulho vinha de dentro do mundo. Meteu as mãos à cabeça e enfiou a cara na cor laranja. Pelo canto do olho viu a cor do seu corpo salpicada por bolinhas vermelhas. Custava-lhe a respiração, o pó do mundo de fora entrava em si, misturava-se com aquilo que lhe corria dentro. Dos seus olhos caía agora um líquido incolor que lhe ardia, tinha a certeza que era a bebedeira que lhe tinham descrito anteriormente, pois não se conseguia equilibrar, não se conseguia concentrar numa coisa de cada vez.
Respirou lento, pesado, tentou lembrar-se de todas as advertências que lhe tinham sido feitas antes de partirem. Colocou-se de pé a custo, activou de novo o comando e seguiu em frente.
Deu consigo diante da imensa porta que se abria para si, sem saber quanto tempo tinha demorado a chegar, quantos deles teriam voltado, como teria corrido a missão.
Duas mãos sustentavam-no pelos braços e sentiu de novo o cheiro húmido das paredes que o rodeavam, o frio que se entranhava dentro da pele e que a fazia estranhamente rígida em comparação ao mundo de fora. Deitaram-no numa cama feita de gazes; sentia-a tão macia como a terra que trazia no bolso das calças.
Olhou em volta e viu muitos dos seus companheiros, envolvidos em gazes vermelhas e laranjas, sentados no chão em silêncio. Encontrou aquele que mais procurava, que lhe devolvia um sorriso largo ao seu olhar. Um simples gesto com a mão foi o suficiente para se acalmar novamente.
Ficou suspenso entre o olhar e a memória, aquele tecto não tinha fim, o inimigo não tinha conseguido atingir os seus objectivos. Havia um vazio no seu corpo de tão cheio que estava. Era um homem agora e a sorte estava-lhe reservada, teria tempo, não precisava de se ajustar de imediato. Respirou com regularidade, olhou as mãos ainda laranjas e deitou a mão ao bolso. Um pedaço do mundo exterior ficava consigo.
Na manhã seguinte acordou alagado por um cheiro doce. Abriu os olhos e viu à sua frente umas mangas de vestido tingido, que se movimentavam de forma graciosa. Levantou o braço e afastou-as da sua cara, por detrás daquela cor, encontrou novamente aqueles olhos negros, os lábios carnudos sorriram-lhe, deixando antever os dentes alvos. Era certo que era para si.
Meteu a mão ao bolso onde guardava o chão laranja do mundo de fora, e com a ponta de dois dedos retirou um pouco do macio pó. Procurou a mão dela com a sua e, deixou-o cair sobre a palma estendida. Aquela estranha criatura, tão igual a si, fechou a mão depois de muito o olhar. Sentou-se a seu lado e deixou-se ficar quieta.
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