29.4.06

cair: de(in)clinações

Tinha nove anos e as férias do Verão. Brincava na rua com os primos dos disparates, noite fresca de Setembro. Um deles sabia por que razão os velhos bebiam bagaço na taberna em frente - aquilo aquecia – e teve uma ideia.
Cada um de nós bebeu um bagaço. O calor que queimava, a tontura, agradaram-me. Bebi mais dois.
Pouco depois jogávamos à barra-do-lenço no largo passeio contíguo. Ao grito de fogo! acudimos todos. De lenço na mão corria desenfreada. O chão, de súbito, começou a deslocar-se num movimento ascendente, era um plano pivotante cujo eixo estava mesmo à frente dos meus pés. Lembro-me bem de o ver subir, em direcção a mim. Firme e estóica, eu, aguentava o embate de pé.

Corro para apanhar o combóio em andamento. Lá dentro, os meus amigos adolescentes mantêm a porta aberta, com os pés, e puxam-me pelos braços no momento em que salto. Caio entre a carruagem e a plataforma, suspensa de cima, o chão dos outros a magoar-me a cintura.
Estranha forma de viajar. Tenho uma nova visão do mundo e dos caminhos de ferro da CP antes de fechar os olhos e preparar-me para morrer.

Ontem estive sentada numa cadeira a contemplar o horizonte. A cadeira é daquelas com estrutura em tubo de aço, assento, espaldar e braços de couro. Uma costura lateral do assento cedeu sem aviso prévio. A queda foi rápida, mas discreta. O horizonte desapareceu. À minha frente, céu azul. Ligeiramente nublado.

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