20.3.06

Não há resposta

A pergunta aparece, assim, de repente, tão inesperada como um tijolo a cair de um décimo terceiro e ainda se está a tentar apanhar os bocados de cérebro que voaram para todos os lados quando se ouve outra vez, talvez com o pedaço de ouvido que sobrou do estoiro de neurónios, ou então em repeat mode, a loopar as poucas sinapses que cairam ao chão e não se escaparam pelos buraquinhos da grade de esgoto
quanto tempo, mas quantos dias, quanto tempo, quanto tempo?

Não sei responder, não tenho boca de qualquer forma, transformou-se numa massa mole meio avermelhada (que os tijolos e a força da inércia e mais a gravidade, aquela porcaria é do piorio) e não digo nada senão lugares comuns, que isso passa, tem calma que isso passa, tudo passa, é tudo uma questão de tempo e agradeço a todos os santinhos pelo tijolo que me impede de responder que na realidade

não passa.

Lamento imenso. E assim dito de chofre, eu sei, não é simpático, mas que se há-de fazer, não é, que te diga que passa, claro que sim, deixa lá isso, pensa noutra coisa, compra uns sapatos que logo te animas, eu sei, é o que se deve, nestas circunstâncias, é o melhor, a única coisa mesmo, conselhos tretosos e abraços silenciosos, oferecidos num chá de sacos de compras, gasta o visa, gasta o visa, põe-te bela, mas o problema, o problema é que não resulta; sabes-te calçada, sabes-te bela, sabes-te mais do que aquilo que queres ouvir e que eu te diga e eu também sei. Mandas vir o tijolo na tua pergunta, sabes que te caiu em cima, sabes que me caiu em cima, sabes que nos cai a todos em cima e sabes-te de cabeça rebentada e sabes da minha cosida de outros tijolos e queres saber quanto tempo demoram os pontos a sair, quanto tempo demoram os pontos a passar, quanto tempo demoram os pontos a cicatrizar e quanto tempo mais terás de esperar. E sabes, sabes com a parte que te sobra, que me sobra, que nos sobra das sinapses que ainda teimam em funcionar que não é assim, que não pode ser assim, que há outra forma, ou esperas, esperas que haja outra forma, com toda a esperança que assiste aos que sentem já que não há nenhuma.

Lamento imenso. Porque isso não passa. O que passa é nós. Nós é que passamos, nós é que nos cosemos a sangue frio e nós é que desmaiamos com os pontos que nos damos. Quando acordamos nada passou, nós é que passámos. Já não é nós. É outra pessoa que ali está. Parece a mesma até ao espelho, até quando nos vemos por dentro, mas já não somos. Desfizemo-nos e o que fica é

outra coisa.

Não sei quando. Acho que nunca. Lamento imenso. É o que somos, a soma de tudo quanto nos ficámos, nos ficou, não passou. Enganamo-nos a pensar que sim, é mais simples; e acordamos com tudo o que temos e mais algumas coisas; as que não passaram e que acabamos por aceitar, abraçar e que nos entram na pele por osmose.

Somos nós com outras pessoas dentro.

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