A (in)utilidade das esperas
Nos primeiros dias, abria a casa. Janelas para a luz do final do dia, almofadas batidas, chão lavado, tapetes aspirados. Demorava muito tempo a escolher a roupa, nem de mais nem de menos, lavava o cabelo com sete cremes diferentes, fazia caras ao espelho, perguntava cento e vinte e nove vezes, se haveria alguém mais bela, o espelho farto daquilo, mentia, que não, que não, nem penses, puxa assim ali mais para além, isso, agora sim, a sério, ela convencia-se dois minutos, regressava, mas achas mesmo? e o espelho, claro, fica descansada e ela batia mais umas almofadas, verificava o estado das cerejas na taça, mudava o cd, penteava-se novamente, mudava de cuecas mais três vezes, talvez mais discretas que não quero parecer oferecida, mas não, afinal melhor estas, a camisola agora é que não sei, espelho, espelho, diz-me, há alguém mais bela, o espelho a querer-se baço, a desejar-se tampo de madeira, mas cumprindo a sua função, que não que não.
Nos primeiros dias, abria a casa. Olhava pelas janelas abertas à luz do final do dia, sentava-se e levantava-se trinta vezes, arrumava o que estava em ordem, tirava daqui e colocava acolá, mudava o cabelo, gastava o espelho em perguntas, sorria-se e verificava se chorava em condições, sem nariz vermelho sem ranho sem cores a deslizar pela cara, apenas lágrimas lentas como uma chuva de verão, dizia-lhe o espelho, já é demais assim, parece um dilúvio, lava isso, lava tudo, lavava tudo, uma vez mais, olhava pelas janelas abertas e já era noite fechada, acendia uma vela que ardia até ao fim.
Um dia chegou abriu a casa. Calçou uma chinelas, apanhou o cabelo ao alto, vestiu umas calças velhas, tratou de desarrumar a gosto. O espelho, admirado, chamou-a. Que se passa, então, hoje, não me dizes nada, estou aqui sem serviço, farto de reflectir camas desfeitas, loiça suja, migalhas sobre a mesa, nódoas no soalho? Paciência, respondeu ela. De qualquer forma, não preciso mais de ti.
E foi assim, sabendo-se bela, que encolheu os ombros quanto aos próximos sete anos de azar.
Nos primeiros dias, abria a casa. Olhava pelas janelas abertas à luz do final do dia, sentava-se e levantava-se trinta vezes, arrumava o que estava em ordem, tirava daqui e colocava acolá, mudava o cabelo, gastava o espelho em perguntas, sorria-se e verificava se chorava em condições, sem nariz vermelho sem ranho sem cores a deslizar pela cara, apenas lágrimas lentas como uma chuva de verão, dizia-lhe o espelho, já é demais assim, parece um dilúvio, lava isso, lava tudo, lavava tudo, uma vez mais, olhava pelas janelas abertas e já era noite fechada, acendia uma vela que ardia até ao fim.
Um dia chegou abriu a casa. Calçou uma chinelas, apanhou o cabelo ao alto, vestiu umas calças velhas, tratou de desarrumar a gosto. O espelho, admirado, chamou-a. Que se passa, então, hoje, não me dizes nada, estou aqui sem serviço, farto de reflectir camas desfeitas, loiça suja, migalhas sobre a mesa, nódoas no soalho? Paciência, respondeu ela. De qualquer forma, não preciso mais de ti.
E foi assim, sabendo-se bela, que encolheu os ombros quanto aos próximos sete anos de azar.
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