28.3.07

a saudade sozinha

A saudade sozinha, a que morre solteira, a que não tem volta a dar e que volta como um boomerang, calada que nem um rato, que nunca aterra e não pára para se reabastecer… é tramada. Porque nos rodeia as virilhas e as pontas espigadas do cabelo e toma conta de todas as nossas extremidades e contornos. É como amar uma mesa e querermos que ela venha para nós com as suas perninhas de madeira, a correr, a correr, e se nos aterre no colo a dar-nos beijinhos, como se estivesse viva. A saudade órfã é como amar uma mesa, o que é, ao mesmo tempo, ridículo e triste. Mas também tem o seu quê de irónico, capaz de puxar sorrisos. E é acharmos que, com a força do pensamento, aquele navio grande que mais parece um cruzeiro, vai entrar terra dentro como um anfíbio e trazer-nos notícias boas, uma cintura que abraçar, uma nuca para onde respirar. É como o envio de uma carta ou de um telegrama, algo que supostamente nos aproxime do outro mas que, como caiu em desuso, nem vale a pena o esforço: é sempre longe, muito longe, nem o eco se nos é devolvido. A saudade é um comboio numa linha sem retorno, um expresso do oriente e do ocidente que dá ao volta ao mundo e me dá a volta a mim, mas nunca te encontra, nunca sabe onde estás, jamais te alcança. É um fingir que te arrasto pelos colarinhos até à ponta do meu nariz fungoso, a cada vez que me picas lá de longe o coração e me fazes dobrar-me sobre mim mesma, enquanto grito para dentro e só para mim, Vem, porra!.

referer referrer referers referrers http_referer Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com