16.4.07

O abraço embargado



"I’m sorry for blaming you
For everything I just couldn’t do
And I’ve hurt myself by hurting you"

(Christina Aguilera – Hurt)

Um abraço, tinha sido o pedido. Um apenas, se calhar mais, mas pelo menos um. E não era um pedido difícil de satisfazer, ela não estava do outro lado do mundo, era uma mulher bonita, de sorriso fácil e de bom trato. Mas na altura não lhe apeteceu, a inércia do costume apoderou-se dos membros superiores e não foi capaz de os levantar na direcção daquela mulher que lhe suplicava um toque mais íntimo. "Não devemos fazer as coisas por pena", pensou. E talvez noutra ocasião lhe apetecesse mais dar aquele abraço que a outra lhe pedia.

Passaram-se dias, semanas. O Inverno deu lugar à Primavera e o sol e o céu azul convidavam ao desabrochar das emoções. Um dia acordou com um raio de sol a bater-lhe nos olhos e essa luz tão intensa fê-la pensar nessa outra mulher, e no abraço que tinha ficado por dar. E nesse instante apeteceu-lhe, ter ali essa mulher para abraçar e porque também ela nesse dia sentia necessidade de um abraço forte e apertado. Ligou-lhe mas ninguém atendeu. Ligou-lhe durante todo o dia sem obter resposta. À noite uma amiga comum ligou a chorar. A mulher tinha falecido de manhã, precisamente naquele momento em que o raio de sol a tinha vindo despertar. Atabalhoadamente anotou o local e a hora do velório, era o mínimo, teria que ir lá despedir-se dela.

Entrou e aproximou-se do caixão. Suave, serena, tranquila e com um sorriso nos lábios a mulher ali jazia. Parecia um anjo e se calhar já o era. Um anjo ou uma estrela, mas não se pode abraçar nem uma coisa nem outra. Mesmo assim sentiu necessidade de se aproximar do cadáver e ao ouvido pediu-lhe desculpa por não a ter abraçado naquele momento. E chorou, lágrimas grossas e quentes que tombaram no rosto daquela que não voltaria a ver, nem a abraçar, nunca mais. E saiu dali à pressa, sentindo-se mais estéril e distante do que nunca…

*******

Hoje aqui a Arlinda pede-vos que vão e abracem com muita força todos aqueles de quem gostam porque um dia eles podem já não fazer parte do mundo dos vivos. E pensem que tudo o que começa um dia acaba, por muito determinístico e simplista que isso vos possa parecer neste momento. E acaba sempre mais cedo do que esperaríamos ou desejaríamos.

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