10.4.07

O descaramento

Elas eram duas, jovens e bonitas. Partilhavam um apartamento e muitas das coisas que mulheres jovens, bonitas e livres partilham nessa idade indefinida entre os vinte e os trinta. Gostavam de se arranjar, gostavam de sair, gostavam de dançar e partilhavam também um grupo de amigos herdados dos tempos de faculdade. Conheci-as por interposta pessoa numa noite de copos num bar trendy da zona alta da cidade. Estavam no meio dum grupo enorme mas destacavam-se claramente do resto, pela pura energia que se desprendia dos seus olhares e sorrisos. Os copos esvaziavam-se a uma velocidade estonteante e antes que a noite terminasse eu já tinha sido incluída no grupo dos "íntimos" de Lela e de Susi.

Há sinais imperceptíveis que pairam no ar e que seguimos como um rasto de perfume que nos desperta sentimentos do passado. Eu percebi que Lela estava interessada em mim, pela maneira como me olhava e me sorria, convidando-me a dançar mais perto de si, sempre mais perto até que as minhas coxas já se roçavam no meio das suas, levando-me a um estado de excitação difícil de controlar. Nunca me tinha acontecido ser assim seduzida por outra mulher, mas era de facto impossível resistir à sensualidade do seu olhar e do seu corpo que continuava a encostar-se ao meu. Não foi preciso perguntar-lhe nada para sentir que ela me desejava, que gostava tanto de corpos de mulheres como eu, se não mais ainda. Disse-me mais tarde que era virgem de homens e que nunca se tinha arrependido, pelas experiências que as suas amigas lhe haviam relatado. Passava bem sem a agressividade e a crueza dos tipos que tentam foder uma mulher a todo o custo, nem que fosse pela força. Definia os homens todos como uma raça de brutos, porcos e egoístas. E sem jeito para lidar com mulheres, pelo menos não uma como ela, que sabia perfeitamente bem o que queria da vida e os seus planos não incluíam emparelhamentos baseados em motivos financeiros ou reprodutivos, felizmente ganhava bem e dispensava a prole que a prenderia e lhe traria muito mais dores de cabeça do que motivos de orgulho.

Lela era uma mulher fantástica e eu apaixonei-me tremendamente por ela, o que lhe dava um gozo enorme e aproveitava todas as deixas para troçar de mim e das minhas tiradas românticas e fora de época. Tratava-me por "pinga-amor" e sabia-me sempre disponível para as suas intermináveis voltas e inúmeros recados que lhe consumiam o tempo e davam à sua vida um ar de perfeita roda viva. Lela era uma mulher caprichosa, como muitas outras. Por vezes ignorava-me, não me atendia os telefonemas nem me respondia às mensagens. Mas havia dias em que parecia que não sabia nem podia viver sem mim e arrastava-me atrás de si mesmo que eu tivesse outros planos, que eu prontamente cancelava perante os seus pedidos que me deitavam abaixo toda e qualquer resistência. Depois às vezes compensava-me dando-me umas migalhas em forma de tardes e noites que passávamos a fazer amor escaldante e sofregamente.

Que mulher aquela… que antro de perdição! Que seios perfeitos os seus… redondos, duas meias laranjas com pequenas cerejas no topo que eu me comprazia a sugar e mordiscar enquanto ela se ria. Sem cerimónias empurrava-me para baixo e exigia-me aquilo que precisava e eu sentia que o momento era chegado ao tactear a forma inchada e molhada dos seus grandes lábios. É sempre difícil chegar ali, e mais difícil ainda relatar com exactidão os pormenores exactos daquele centro escuro e húmido. Os toques começam incertos, como um pianista que estreia um novo instrumento. Ali há reacção mas aqui não. Incertos e trémulos os meus dedos percorriam o seu sexo molhado e aberto, libertando odores que me inebriavam e me asseguravam que esta montanha iria ser escalada e conquistada sem apelo nem agravo. Era ela que enrodilhava os seus dedos nos meus cabelos e me puxava o nariz para dentro, como se quisesse que eu me afundasse na imensidão dos líquidos que ejaculava. Duches doces e perfumados que me percorriam o cabelo, a cara, as mãos, a língua... há mulheres que se liquefazem no caminho para o clímax e os seus sumos são as melhores e maiores provas do seu real prazer… e quanto mais o seu sangue aquece, mais elas produzem e mais nós agradecemos por podermos estar ali e sermos nós a causa desse caudal aromático e delicioso…

Fazer amor com Lela tinha tanto de extenuante como de gratificante. Felizmente para mim ela não me requisitava com muita frequência o que me permitia recuperar as forças e os líquidos entre duas dessas sessões profundamente intensas. Eu sabia das outras, sempre soube. Lela fazia questão de marcar o seu território de fêmea livre e resoluta. Ninguém a prendia e ninguém a controlava. E nós as que nos encontrávamos fascinadas por ela volteávamos e revezávamo-nos nas noites em que ela exigia morrer de prazer, para depois renascer mil vezes mais forte e mais decidida do que nunca.

Sempre pensei que Susi não gostava de mulheres mas na verdade nunca me apercebi da sua presença, nem nas noites que saíamos em grupo, nem mesmo nas noites que passava lá em casa com Lela. Se ela possuía alguma graça, não a usava da forma atrevida como Lela o fazia. Era engraçada, diria que era bonita até, mas não era tão terrivelmente sedutora como Lela. E eu nessa altura só tinha olhos para Lela, fascinante, feiticeira de andar bamboleante e sensual.

Foi numa dessas noites de saídas, com muitos copos e álcool à mistura, que tudo aconteceu. Nesse dia Lela estava especialmente quente, seria noite de lua cheia talvez, mas toda a noite as suas mãos procuraram as minhas para logo de seguida se enfiarem por dentro do meu decote, à procura dos meus mamilos arrepiados fazendo-me corar de vergonha. Todos sabiam que nessa noite Lela se excederia e eu tinha sido a feliz eleita para a acompanhar na explosão que aconteceria quando Lela se entregasse à noite dos prazeres incontidos e a mim. Foi ela que me excitou de tal forma que acho que ceguei, ou quis cegar, para que fossem apenas os meus outros sentidos a participar nesse excesso de sensações e emoções. O tacto, o olfacto e o paladar seriam mais do que suficientes para o que se iria passar depois, pensei eu quando fechei os olhos e tapei os ouvidos para me entregar a mais uma noite de gloriosa paixão.

Logo pelo olfacto denotei algo diferente, como uma nota fora de tom, uma palavra mal escrita, algo de errado, mas de forma surpreendente e excitante. Nem sempre a diferença nos demove, por vezes pelo contrário, sentimos uma atracção ainda maior pelos abismos que desconhecemos do que pelas montanhas e vales que já sabemos de cor. A casa era a mesma, o quarto e a cama também. Mas sem aviso prévio o filme tinha mudado de protagonista e eu encontrava-me presa numa outra realidade, querendo vivê-la tanto ou mais do que a anterior. Fiz menção de abrir os olhos mas uma voz suave pediu-me que não o fizesse, que seria melhor assim. Fiz menção de alcançar os seus seios, mas ela impediu-me, agarrando-me as mãos e atando-as com lenços à cabeceira da cama. Era uma mulher, não tinha dúvidas nenhumas acerca disso. Mas não era Lela… e eu encontrava-me ali, de mãos atadas e braços esticados, nua e exposta a um novo olhar que apreciava o meu corpo assim aberto à sua mercê.

"Minha querida tu já lhe deste tanto… hoje é a tua vez de receberes" dizia a voz suave e vagamente conhecida. "Mas… e Lela?" perguntei eu. "Dorme, drogada!" respondeu ela rejubilando. "E tu esta noite és minha e eu vou-te comer…" rindo-se descarada a mulher de voz suave que encosta o seu corpo contra o meu e me deixa ofegante de surpresa e de prazer. Os seus dedos são expeditos, a sua língua insaciável, tudo aquilo que as mães não devem ensinar aos filhos e muito menos às filhas, sabia ela de cor e salteado. Desta vez era ela a instrumentista e eu o instrumento e de mim arrancava os suspiros mais profundos, as ondas mais redondas e sublimes de picos nunca antes escalados. Eu não podia fazer nada, a não ser deixar que ela encaixasse as minhas ancas nos seus ombros para que pudesse comer-me, lamber-me, e foder-me. As mulheres também se fodem, com minúcia, docemente por vezes, mas nem sempre. O caminho está lá, e os dedos percorrem-no, lentamente primeiro, ritmadamente, massajando o interior quente, esponjoso, expansivo, incitando à libertação do líquido que se pode, que se deve, beber dessa fonte que os dedos desbloqueiam com um saber milenar. E ela bebeu de mim, e eu dei-me a ela duma forma como nunca me tinha dado antes, dei-me tanto que quase desidratei. Durante toda a noite Susi vingou-se dos amores que lhe tinham passado ao lado, dos homens que nunca a tinham amado, dos corpos suados que tinham conspurcado o seu. Nessa noite Susi orquestrou a foda do século e nessa noite ela quase me matou de exaustão…

Se sobrevivi para vos contar esta história foi só porque como me confidenciou depois, cada mulher possui em si um dom, desconhecido para muitas, de dar prazeres infindos a alguém que os mereça. Ela achou que eu merecia, que a minha hora tinha chegado, e usou o seu dom em mim… de forma descarada mas no fundo todas sabemos que deveria ser sempre assim!

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