8.4.07

De Lado

Durmo de lado, de costas para ti. Os teus dedos tilintam pela minha cintura, percorrendo aquele vale pronunciado entre a minha anca e o meu esterno em pousio. Vão descendo como uma bailarina em pontas até mais abaixo, ao sítio onde tudo importa, o trabalho facilitado pela minha posição de sempre, em semi decúbito: o joelho direito colado ao queixo e a perna esquerda esticada até a ponta do pé tocar a dobra do lençol. Abres-me ao de leve, como quem empurra uma porta devagarinho para não estragar uma surpresa, mas eu continuo imóvel, a sonhar com unicórnios, identidades trocadas e a morte das minhas pessoas felizes, que é mais ou menos aquilo com que sonhamos quando a vida nos é cheia de coisas boas e temos muito a perder. Não cedes à minha imobilidade serena e os teus dedos penetram e exploram cada vez mais fundo, até engelharem de tão molhados, embora eu nada tenha a ver com o assunto. No meu sonho, confundo-te com uma coca-cola muito fresca, com gelo e limão, bebida de um trago. Às tantas, os teu movimentos circulares dentro de mim encontram nas minhas nádegas um parceiro de dança, e estas começam a rebolar devagarinho, sem um ritmo definido, como se ao som de um bolero, ouvido ao longe. Já não és Coca-cola: agora, és um actor de cinema, um daqueles da tusa universal, que me come contra a parede, e eu sem perceber porque é que nunca mais me venho, porque é que está a demorar tanto tempo se ele é tão giro e, seguramente, tão competente. Já sei, é porque é um filme, isto é um filme, e o sexo num filme não é suposto ser a sério. Perante o meu sono ainda fundo (apesar de tudo, e por agora, ainda mais fundo que os teus dedos que quase me fazem um filho), a tua língua vem em teu auxílio: calcorreia-me a nuca , invade-me o ouvido e lambe-me a raiz do cabelos, junto à orelha, passeando-se como se fosse domingo; é um pássaro grande que me debica com parcimónia a pele levantada pelo vento, no meio do deserto, ai que vou morrer. Algures por entre o sonho, perfila-se um desejo real que range os dentes de tanta vontade, mas que ainda não reconheço como tal. Afinal não vou morrer, desidratada e só, debaixo deste sol escaldante. E eis o meu corpo que se revolteia, independentemente da minha vontade, e os grifos que me cercam de sombras agoirentas, são na verdade almofadas, que enxoto para o chão do quarto. A boca abre-se-me num esgar de prazer miúdo e um fio de baba escorre-me pelo canto esquerdo do queixo, ensopando a única almofada sobrante que, minutos antes, tentara espantar com as mãos cegas de escuro, convencida de que vinha para me arrancar os olhos. Não percebo bem o que está a acontecer; dentro de mim, neste universo dormente, sinto galáxias a formarem-se como se no princípio do mundo; viras-me de barriga para cima, eu, um boneco de trapos sem voz nem vontade, e beijas-me a boca, a barriga, as virilhas e o sexo, impondo-me por fim a vigília, a consciência e o gozo. Explode em mim um milhão de estrelas e, com aquela sensação de felicidade imoral que se tem quando se é apanhado a jeito, constato que não, não estou a rir desalmadamente de uma piada que alguém me contava, sentados que estávamos a uma mesa de café, embora o meu corpo se contorcione em espasmos felizes. E agora, que me tens acordada por entre galáxias recém-formadas, vamos a isto, meu querido. Mergulho entre as tuas pernas , olímpica e ufana, chupo, engulo, regurgito, lambo e digiro. Reforçadas todas as doses vitamínicas necessárias, corremos em busca de novos mundos, onde nos basta encontrarmos qualquer coisa que mexa. Amanhã compenso e deito-me mais cedo, nem vejo a novela das nove, prometo-me enquanto te escalo.

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