29.9.06

Deixa-me cá então dizer só mais uma coisa

Eu já fiz um aborto. Não foi um aborto propositado, foi derivado a uma situação dum embrião que se encontrava dentro de mim e que não desenvolvia tendo portanto que ser retirado (eventualmente até acabaria por sair por si mas hoje em dia quando algo está mal a gente precisa sempre de soluções imediatas para pudermos voltar asap ao business as usual sem pensarmos muito no porquê das coisas acontecerem). Eu tive que fazer um aborto e a primeira coisa que me passou pela cabeça foi que a culpa de toda aquela situação tinha sido minha. Pedi mil desculpas ao embrião, ao pai dele e à irmã que não chegou a sê-lo. Achei mesmo e durante muito tempo que a culpa era minha, que eu não estava preparada, que não tinha tomado as precauções e cuidados devidos e que aquilo era um castigo.

No hospital onde estive internada fui muito bem tratada apesar de ter que partilhar o quarto com uma parturiente e mais o seu bebé recém-nascido o que é duma violência psicológica sem nome para uma mulher que acabou de perder um projecto de filho muito desejado. Lá iniciaram o tratamento expulsivo recorrendo ao medicamento de nome cytotec que não tendo nada a ver acaba por ser um abortivo eficaz especialmente nestes casos de gravidezes de poucas semanas. Passaram-me uma receita para ir aviar o dito numa farmácia pois o tratamento devia ser efectuado durante uma semana, ao fim da qual a situação teria que ser reavaliada para verem se teriam que efectuar uma raspagem.

Saí do hospital em estado psicológico caótico e dirigi-me a uma farmácia nos arredores de Lisboa onde assim que viram o fármaco prescrito na receita olharam-me logo de lado. A técnica que me atendeu disse-me que não me podia vender aquilo assim sem mais nem menos. Chamou outra doutora que continuando a olhar-me de lado me fez uma série de perguntas para confirmar se era efectivamente o cytotec que eu queria e para que era que eu o queria. Expliquei a situação e a doutora disse-me que precisava dum relatório médico para aviar aquilo nessa situação (em que o medicamento era para ser usado como abortivo). Para além de me sentir culpada pelo que se tinha passado ainda senti que me estavam a dificultar o acesso à terapêutica receitada pelo médico por possivelmente acharem que eu era uma criminosa que queria o cytotec para ir abortar ou para ir vender no mercado negro.

A farmacêutica acabou por me vender o medicamento mas tive que lhe deixar os meus dados, apresentei o meu bilhete de identidade e tudo (será que iriam fazer queixa de mim?!) Deixei também os contactos da minha médica e apresentei a factura do hospital onde tinha sido internada. E mesmo assim senti que tinha sido tratada abaixo de cão… imagino o que não sentem mulheres desesperadas que compram o cytotec no mercado negro por dez ou vinte vezes o valor dele e usam aquilo sem qualquer indicação e sem seguirem a posologia indicada pelo médico. E escuso-me de falar aqui das reacções adversas do dito porque durante uma semana andei dobrada com dores abdominais fortíssimas de tal forma que cheguei a dizer a alguém que tinha sofrido menos durante o parto da criança mais velha do que nesses dias em que andei a tomar o cytotec!

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