11.10.06

"Todas as cartas de amor são ridículas"

(sabes amor) poderiamos ficar eternamente a discutir (eu comigo, tu contigo) que tipo de qualidade tinha o amor. Se era do bom ou do mau, se alguém tinha amado melhor ou pior, se demais se de menos, se teria havido mais bem amados e menos bem amados, se num dia assim tinha sido assado, e se noutro já o outro tinha feito de outra maneira; e nem sei se terá feito sentido discutir tanto para chegar a parte nenhuma, porque essa qualidade discute-se para se terem as certezas que não temos; e aquilo que achamos que fizemos pelo outro em silêncio pode não ter sido ouvido, essa é a característica do silêncio e aquilo que achamos que dissemos um ao outro pode também não ter sido ouvido, essa é a característica do som dentro do silêncio.

[(sabes amor) nem sei se estás, estiveste ou estarás alguma vez aqui. Sentei-me de costas para a porta, não sei se entraste se não; não te posso dizer que pouco me importa. Se te abri essa porta, esta que teimei sempre em manter fechada, foi para que visses que as almas de bonito podem ter alguma coisa, mas são cruas e são assim; custam a ver, eu sei, deixo aqui bocadinhos da minha. Não te posso dizer que pouco me importa: a ilusão de te ter por perto é-me grata. Mas não te incomodes, podes entrar ou sair, ou nem sequer vir; não darei por nada. Nem sequer altero o que aqui escrevo, são anos a falar comigo, já me conheço esta voz, a das cartas que não se enviam.]

(sabes amor) poderíamos ficar eternamente a discutir (eu comigo, tu contigo) mas, se antes não sei se terá feito sentido discutir tanto para chegar a parte alguma, agora que já cá estamos, nessa parte alguma, eu paro. Já sei onde leva esse caminho, já conheço esse deserto que fica para além deste que é, para mim, de desânimo e desespero e de total ausência de esperança. Essoutro é ainda pior, já o conheço, já mergulhei nele contigo, não quero perder-me mais (dentro da minha cabeça) em tempestades de raiva e de recriminações e de respostas a acusações e de labirintos cada vez mais apertados cujos centros não passam de uma amálgama de ódios à posteriori. Não é isso que eu quero

não é nada disto que eu quero mas

dentro do que resta, não vou por esse caminho. É um caminho mais fácil, claro. A raiva mexe connosco, tira-nos da imobilidade da tristeza, oferece a energia rápida que parece ser a mais necessária para andar com a vida para a frente. É ilusória, essa facilidade, essa rapidez. Desfaz-nos por dentro, refaz-nos piores. Eu sei. Já lá estive. Não é isso que eu quero.

O que eu quero é que fiques debaixo da minha pele, permaneças imutável em recordações felizes ou tristes, mas serenas. Quero guardar tudo o que foi absurdamente feliz. Quero-te por osmose, dentro da alma.

E é isso que vou (aqui) fazer.

Luisa C.


adenda 100nada: depois esqueci-me, claro, mas isso é sempre assim.

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