vestígios rasgados
No início da minha adolescência era hábito os rapazes enviarem bilhetinhos às raparigas (e recíprocamente). Continham declarações como És a rapariga mais bonita que eu conheço. Queres namorar comigo?, ou corações com os nomes inscritos, setinhas e o caraças. Como raramente correspondia a essas atenções, acabava por rasgar os bilhetinhos, na maioria dos casos. Hoje tenho pena de o ter feito: sempre que encontro um sobrevivente acho imensa piada.
Todavia houve missivas de idades posteriores que acabei por destruir, sem qualquer arrependimento subsequente. Porque há coisas que tentamos, em vão, compreender. Se delas sobram resquícios, estes colam-se a nós e fomentam essa necessidade de perceber um porquê que, já sabemos, não irá nunca obter resposta. O passado conserva-se rolhado em formol quando não nos pode atingir. Quando somos capazes de não voltar a abrir o frasco para só nos intoxicarmos com o cheiro. Do formol, bem entendido, porque um passado que não conseguimos arrumar numa simples gaveta é um passado inodoro. Procuramos-lhe o perfume, mas só encontramos o da mágoa que o conserva.
Todavia houve missivas de idades posteriores que acabei por destruir, sem qualquer arrependimento subsequente. Porque há coisas que tentamos, em vão, compreender. Se delas sobram resquícios, estes colam-se a nós e fomentam essa necessidade de perceber um porquê que, já sabemos, não irá nunca obter resposta. O passado conserva-se rolhado em formol quando não nos pode atingir. Quando somos capazes de não voltar a abrir o frasco para só nos intoxicarmos com o cheiro. Do formol, bem entendido, porque um passado que não conseguimos arrumar numa simples gaveta é um passado inodoro. Procuramos-lhe o perfume, mas só encontramos o da mágoa que o conserva.
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