22.7.06

Realidade-outra

No tempo em que as ruínas se reconstruíam, quando do lado de lá das ogivas das janelas se via o mesmo exacto fundo azul, "esse azul da côr do céu sobre Lisboa quando estamos felizes", quando existia sempre um lado coberto de andaimes e do outro a mesma decadência solene e antiga, nada era ainda permanente; como se aqueles andaimes fossem o sinal dos entretantos, dos intervalos na vida, quando saltamos para outro lado que não existe senão no desejo de realidade-outra.

É um mundo que lá mais atrás se apartou de nós, quando viramos uma esquina e esse destino ainda vinha lá mais abaixo na rua, um bocadinho de nada atrasado, a olhar para o relógio e a aborrecer-se por ter que parar outra vez, diabo dos atacadores, a pousar um pé num degrau para os amarrar e, lá mais acima, o destino desse destino a virar já a esquina, a desaparecer outra rua acima.

E andaimamos a

(isto está desconexo, mas não se consegue seguir uma linha quando se é, várias vezes, interrrompido; fica assim, intermitente)

vida. Um gajo para pintar os andares de cima sem andaimes não vai lá e dão jeito para colocar vidros-duplos e estores eléctricos, como se o sol a passar pelas janelas não fosse suficiente para tapar o frio e o vento dos dias de chuva. Na verdade não é, mas na realidade-outra, a chuva lembra essa que talvez tivesse caído num certo dia, quem sabe se aquela esquina que se virou não era apenas para ir ali mais adiante comprar um guarda-chuva, porque se tinha saído de casa sem contar que o tempo mudasse, coisa assim pouca, um guarda-chuva, um atacador,

um palácio eternamente em ruínas, eternamente andaimado, e depois um dia (há sempre esse dia em que a carrinha dos tubos atravessa o portão) acabam as obras e tudo fica (até a uma nova erosão das pedras) concluído.

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