18.5.07

solidão

Ele ressona-lhe ao lado e ela, desespera. Sai da cama de um pulo, entra no duche, deita-se na banheira fria, o jacto apontado para o meio das pernas abertas, não muito forte, por forma a que o clítoris não se retraia, magoado. A água envolve-lhe os grandes lábios, num prenúncio de gozo que se quer circular, periférico, nunca directo. Por segundos, o universo está todo ali, naquele prazer rápido, quase nauseante de tão concentrado, como um detergente de que baste uma gota, duas são demais. Abafa um gemido animal e morde-se a mão esquerda; aperta-se por entre espasmos e o seu corpo estica-se, elástico, enquanto os dedos dos pés, retorcidos. No quarto, ele ressona. Ela espera que o coração lhe reentre o peito, que deixe de lhe ressoar nos ouvidos, no útero, e levanta-se, tonta. Troca os pés enquanto se enxagua e acaricia-se suavemente, como se fizesse amor consigo própria pela primeira vez, e tivesse medo. Desconhece-se, enquanto ele ressona. Entra no quarto e deita-se de costas, num suspiro fundo. Quer crer-se aplacada, satisfeita, mas o cheiro dele alerta-lhe de novo os sentidos, temporariamente anestesiados, apenas. Sobem-lhe calores, afrontamentos: destapa-se, impaciente, suada, danada com ele. Rodeia-lhe a cintura larga, escorrega-lhe a mão pela barriga flácida e apalpa-o, sentindo-o amolecido, inerte, sem vontade. No centro dela, um formigueiro recrudesce, implacável, o coração dispara-se-lhe, a língua passeia-se-lhe pelos lábios, pelos dentes, pelo céu da boca. Retira-lhe a mão inútil de cima, enfiando-a nela mesma, dando assim proveito à súbita destreza que lhe aflora aos dedos. Não se vem como no duche: aqueles estão nervosos, frustrados; sabe que tem de trabalhar mais, com cuidado acrescido, impondo maior vagar nos movimentos circulares. Ele vira-se de repente, como se acordasse, e ela pára tudo, até de respirar; isto agora é coisa dela, só dela e ele, neste momento, não passa de um intruso. Aguarda que ele se ajeite na almofada, repara num fio de baba a escorrer-lhe pela cara e encolhe-se de nojo, o gozo a escapar-se-lhe por entre as cãibras. Esforça-se por retomar o fio ao prazer, afadiga-se, impaciente na sua mudez, mas nada. Imagina pornografia, pilas pretas em conas brancas, buracos preenchidos por todos os lados, línguas molhadas, fodas violentas, eles os dois contra a parede, ela com o rapaz das pizas, com o joão da informárica, com o desconhecido do messenger; ele a comer a amiga, a comer ambas ao mesmo tempo; os dois à canzana, ele e um preto, ela e a amiga, os gritos, as carnes … nada. Nada a consegue distrair do fio de baba, do ressonar empedernido e compassado, da tristeza daquele membro morto. Acotovela-o com brusquidão e rancor, instando-o a que se vire, que não a deixa dormir, o barulho de locomotiva; destapa-lhe o corpo, vingativa, puxando para si todo o edredão, fecha os olhos e, ainda antes de invocar para si todos os deuses do sono, um último pensamento aflora-lhe o cérebro vazio, amanhã, no continente, é dia de peixe fresco.

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