coelho à caçadora com parvoíces salteadas para alimentar o bicho
Retirei os pedaços de coelho da embalagem e passei-os por água. Chegada ao último, que já vinha olhando de soslaio com ansiedade e repulsa, ponderei na melhor forma de lhe pegar. Comer bichos mortos comporta estes momentos de agonia. Olhar para uma cabeça esfolada, com olhos gelatinosos, faz-nos sentir o animal como mais próximo de ser nosso semelhante. Se deixasse de comer cadáveres, deixaria de comer qualquer cadáver: de vaca, frango, peixe. Compreendo a posição do vegetariano que age em conformidade com o que julga melhor para a sua saúde. Mas só simbolicamente faz sentido, para mim, que alguém defenda que não se coma coelho e, todavia, se for galinha ou peixe, já seja diferente. É elitista. Como se um animal, por ser mamífero (ou seja, da nossa classe) tivesse uma aura de superioridade. Afinal, afirmá-lo deste modo é apenas reforçar a nossa superioridade, por analogia. Seja como for, hoje não consegui comê-lo. Constatar que não teria vocação alguma para a caça faz-me descer de predadora para necrófaga.
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