14.10.06

Das mentiras

Ora aí está um tema tão vasto que quaisquer meia dúzia de parágrafos não chegarão sequer para dar aquele gosto particular que antecede, ou precede, quem parou para averiguar se afinal valerá ou não a pena continuar. Para esses que levantam agora os olhos sentindo que daqui extrairão algo de útil digo-vos já e em jeito de advertência (que eu sou uma mulher desocupada mas haverá mais quem não o seja) pois que não, daqui nada sairá de útil que as lições de vida dão-se e recebem-se em privado hélas!

Mas voltando ao tema das mentiras, eu que sempre fiz da verdade uma pedra basilar daquilo que sou hoje tenho que dar o dito por não dito e dizer que às vezes há mentiras que se justificam. Não estou obviamente a falar das mentiras públicas, do estado para os cidadãos, porque esse tema ultrapassa-me enormemente e há mentiras que já duram há séculos e que por mais outros tantos se eternizarão. O que levanta outra questão que é o facto das mentiras antigas terem o condão de se transformar em verdades futuras mas isso então ainda são outros quinhentos e hoje debruço-me apenas sobre as mentiras pessoais e privadas.

A meu ver algumas mentiras justificam-se portanto. Sobretudo as mentiras piedosas. Se mentimos por pena estamos na realidade a praticar um acto de caridade. Não me refiro à omissão ou distorção de factos, pois aí corremos o risco do recipiente da falsidade vir a saber por vias terceiras e hoje em dia é cada vez mais difícil tentarmos viver vidas alternativas pois parece que nos concentramos todos nos mesmos lados e cada vez mais as pessoas parece que já se conhecem todas umas às outras. Falo das mentiras emocionais, das mentiras que se dizem para não magoar de quem mais gostamos precisamente em relação ao plano que essas pessoas ocupam em nós. Quem ama quer-se sentir especial, único e para nós até será mas não sempre e não em todas as circunstâncias e ocasiões. Mas quererá essa pessoa ouvir da nossa boca um "agora não posso" que lhe soará a rejeição (quiçá até a traição!)? E não será nesse caso a capacidade de mentir para não magoar uma das nossas maiores virtudes?

Em toda a minha vida houve duas verdades que disse por uma questão de consciência mas hoje se tivesse a oportunidade de voltar atrás teria mentido. A verdade teve um efeito brutal e devastador, maior do que eu imaginava e demasiado complexo para eu conseguir lidar com os eventos que daí advieram. Teria sido mais fácil mentir sim. E apesar de me terem chamado de corajosa por ter despejado a verdade tal como fiz, e é fácil falar para quem está de fora, hoje arrependo-me dessas verdades que não substitui por mentiras. Não me sinto melhor pessoa agora e mudei irremediavelmente o curso das relações que tinha com duas pessoas que me eram muito próximas. Hoje preferia ter mentido, preferia ter tido discernimento para inventar uma qualquer história satisfatória, uma mentira que me enchesse a boca e o olho deles mas que não os tivesse magoado e na volta também a mim por me sentir triplamente culpada e condenada por esses dois erros que cometi e na minha ingenuidade assumi. E não me sinto melhor pessoa porque arruinei a minha imagem junto de duas pessoas com grande influência sobre mim e sobre terceiros que também eles passaram a olhar-me de forma diferente.

Mentir é mais fácil e por vezes é mais conveniente e facilita-nos a vida. Porque se faz tanto apanágio da verdade então? Eu sei que é difícil catalogar as mentiras e mais difícil ainda será educar as gerações futuras para que tenham o discernimento que a nós por vezes nos falta. Porque eu penso que há mentiras que se devem dizer. E há verdades que se devem ocultar.

(Obs: este texto foi escrito ontem antes de ter comprado o bendito expresso de hoje onde na revista vem um artigo precisamente sobre este tema. Acreditem se quiserem…)

referer referrer referers referrers http_referer Weblog Commenting and Trackback by HaloScan.com