20.10.05

A história da sereia e do lamento

Todos os dias passava ali à beira do mar. Ficava apenas a olhar à procura de algo que me pudesse acalmar. Sentia tais tormentas e infernos interiores que precisava daquela brisa que me vinha acariciar quando fechava os olhos ali à beira do mar. De onde me vinham tantas lágrimas num fluxo que teimava em não acabar? Num desses dias ouvi um lamento, um cântico suave mas tão triste e profundo como se alguém ali me quisesse acompanhar na tristeza e na dor do vazio que fica quando se deixa de saber amar.

Olhei bem para a beira do mar e ali a encontrei a chorar e a cantar. Era uma pequena sereia tão transparente que quase se confundia com a areia. Olhei-a bem dentro dos olhos de água e sal e perguntei-lhe porque se lamentava assim. Ela olhou com carinho para mim e contou-me a história de um ser encantado que um dia a tinha raptado. De corpo e alma a manteve cativa até que um dia dela se fartou. Disse-lhe que a libertava e soltou-a no mar alto bem longe de onde tanto se tinham amado. "Agora vai e nunca mais voltes"…

Mas a sereia já não sabia o que era ser só um quando já tinha sido dois. E agora vagueava de mar em mar, deixava-se ir ao sabor das ondas sempre à procura daquele ente querido. Perguntava a todos os seres de todos os rios e mares se sabiam onde ele se teria metido. Perguntou-me a mim se o tinha visto por ali. Com pesar lhe confessei que nunca tal criatura houvera visto. E mesmo que por ali tivesse passado eu não teria notado. Estivera sempre ali de olhos fechados.

Desatou num pranto desesperado e eu cheguei-me mais para ao pé dela. Dois desconfortos juntos que somados se tornaram num ainda maior. Ficamos ali todo o dia em sintonia a chorar pelo nosso coração ferido. Nesse dia o seu lamento suave soou ainda mais triste e dorido. E nesse dia a pequena sereia e eu criamos um novo lamento ao amor perdido. Que só à beira do mar e de olhos fechados pode ser entendido.

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