Naquele dia,

entrei na loja com as pernas a tremer. Não era a primeira vez que lá entrava mas a solenidade da ocasião descarregava-se-me em tremuras. Tinha catorze anos e ía comprar o meu primeiro soutien. A minha mãe explicou ao vendedor o propósito da visita e eu escondia-me atrás da vermelhidão da vergonha.
- Numero?
- Não sei...
Olhou-me de alto a baixo e disse:
- Trinta e dois. Façam o obséquio de aguardar um momento.
Voltou carregado de caixas, que naquele tempo não havia soutiens expostos, nem cuecas, nem nada.
Abriu as caixas uma a uma. Há medida que cada soutien saía de dentro da caixa, acariciava-o com as costas da mão, num movimento esquerda-direita e de dedo mínimo espetado.
- Este! Este é muito confortável!
Eu, atónita, perguntava-me o que saberia ele acerca do conforto de uma peça de roupa que não lhe assentava. Mais tarde, com o passar dos anos, descobri que aquele senhor sabia tudo acerca dos tamanhos, formas e texturas da infinita variedade de roupa interior que se escondia naquelas prateleiras.

Naquele tempo, há vinte anos, não haveriam nesta cidade mais do que vinte lojas de roupa. Não havia um único hipermercado, não havia centros comerciais e só existiam duas salas de cinema. Vivíamos com afinco os cheiros e costumes do comércio tradicional.
As idas ao Porto ou a Lisboa eram de um consumismo desnfreado e procuravam-se as peças de roupa mais mirabolantes.
Aos poucos, a cidade cresceu e o comércio (des)multiplicou-se. Muito do comércio tradicional fechou. Outro tanto resistiu.

Eu fui resistindo. Ao senhor Fernando, o homem que me vendeu o meu primeiro soutien, volto sempre. Esta semana, depois de ter procurado em três hipermercados diferentes umas simples camisolas interiores de alças tamanho seis anos, acabei por lá parar o carro à porta, ser saudada ao entrar, e ver sair de dentro das caixas umas tantas camisolas amarelecidas mas tão apetitosas que não lhes resisti.
Por dois euros cada uma, que é um resto de colecção e eu, à menina, faço uma atençãozinha!